Que noite hein, era para ter sido a melhor das noites por aqui, isso se não fosse fato de ter que dormir no mesmo quarto dos guias de turismo. Era como se cada um tivesse trabalhando com uma motosserra a noite inteira. Se eu resolvesse sair do quarto os mosquitos me carregavam, se eu ficasse não dormiria também. Bom, resolvi ficar no quarto e pelo menos não teria problema com os mosquitos.
Saída prevista para 04h30min em direção a Porto Jofre, tudo preparado, ainda sem minha escova de dentes e com mais um agravante, eu esqueci na última fazenda o meu sabonete. A sorte foi que consegui uns sabonetes na própria pousada e assim consegui tomar um banho descente, coisa rara por aqui.
De madrugadita, hora boa de viajar. Não consegui dormir no carro devido aos solavancos da estrada, mas logo depois de alguns kilômetros já encontrei mais um típico morador do Pantanal. Ainda tive sorte de conseguir “convidá-lo” para tirar uma foto comigo!!!
Mais duas horas já chegamos ao Hotel Porto Jofre, às margens do Rio Cuiabá. Hotel com grande infraestrutura para receber turistas com todos os objetivos, desde contemplação das araras à pesca esportiva.
O barco já estava no cais, só colocamos os isopores, material fotográfico e outras tranqueiras e partimos sobre o Rio Cuiabá, 4 horas rio acima até o local onde a onça foi avistada pela última vez.
Saída do hotel para as embarcações.
Araras Azuis no Hotel Porto Jofre – Não são do Hotel, apenas vivem lá por vontade própria.
Enquanto subíamos o rio, não tive como deixar passar uma paisagem triste, ele está secando. Tudo bem que estamos na vazante e as chuvas devem começar ainda neste mês, mas pela fotografia podem ter uma idéia da largura deste rio e acreditem, tão raso que foi preciso levantar o motor várias vezes para não ficarmos encalhados. Nas barranqueiras a situação é pior ainda, os fazendeiros desmataram tanto o leito do Cuiabá que o ele próprio engolindo partes das propriedades ribeirinhas.
Sabia da importância da mata ciliar, agora ver isso com meus próprios olhos é muito diferente do que aprendemos nos livros. É simplesmente triste ver um rio, antes navegável por chalanas durante o ano inteiro e agora comprometido pelo do assoreamento.
Muito triste ver árvores caindo e barrancos desmoronando no leito do rio enquanto passávamos de barco.
O GPS nos guiava com precisão pelos caminhos deste rio, tenho que me garantir, pois é muito fácil perder-se por aqui, ainda mais por que vamos vasculhar cada afluente deste rio para poder encontrar a onça e tudo parece muito igual.
GPS mostrando o leito do rio Cuiabá.
O calor só não estava pior por que estávamos em alta velocidade e o vento refrescava um pouco, em contrapartida, eu já colocava em cheque a potência do bloqueador solar no rosto, estava sentindo um pouco de coceira, meu pescoço já estava em brasas e as picadas de insetos ficavam cada vez mais salientes. O vento quente chega a ser pior que o sol muitas vezes.
Passamos por um barco com alguns turistas, certamente também tinham ido em busca da onça. Paramos para conversar e perguntar se obtiveram sucesso.
-Opa,
– Bom dia Moço
– Avistaram algo companheiro?
– Pois olha, a bichona estava lá, mas não arriscamos ficar mais perto, estava com o bote armado.
– Obrigado, vamos pensar no que vamos fazer ainda.
– Cuidado amigo, a bicha deve ta prenha, tá arisca que só.
Foi com este diálogo que o barqueiro foi embora, o Hélio cogitou a possibilidade de retornarmos. Sem acordo eu disse. Vim aqui para fotografar esta fera pantaneira e é prá lá que vamos. Se quiser fica no barco, ela não deve entrar neste rio cheio de piranhas, será tranqüilo, complementei. Falando assim parecia um Indiana Jones, mas só eu sei o esforço que fiz para falar isso.
O Hélio não estava muito confortável, eu não estava nem aí com o fato, enquanto arrumava o tripé no barco, pensei que a possibilidade de encontrarmos uma onça neste horário é muito remota e por isso estava mais a vontade.
Entramos em um braço morto do rio Cuiabá, lugar mais provável de acordo com a indicação do piloteiro com quem conversamos. Chegamos com o motor desligado, sem fazer alarde e, entre uma conversa e outra, fiquei observando uma ariranha com seu almoço.
Depois de quase uma hora observando os barrancos, já com vontade de ir embora, cabeça doendo, sol quente e mosquitos em pleno sol a pino, já estava desistindo quando escutamos galhos quebrando no meio da mata. Ali estava ela, bem na nossa frente.
Estava nos observando, escondida no capão de mato. Por muitos instantes gelei, senti que não poderia fazer nada e que a qualquer momento um dos dois deveria sair do seu lugar, ou ela ou nós. Ficamos nos olhando por horas a fio até que ela resolveu sair.
Só estando frente a frente para entender a emoção de ver este grande felino em seu próprio habitat. Estudando um pouco mais sobre a onça pantaneira, descobri que sozinha não oferece grandes riscos para o seres humanos, mas caso ela esteja com filhotes, todo o contato deve ser evitado. Um animal deste tamanho alimenta-se de caça de médio e grande porte, podendo eventualmente atacar um boi adulto. Muitos criadores de gado têm problemas com a onça do Pantanal e alguns acabam caçando para defender o gado. Esta atitude, porém, acaba desequilibrado o eco-sistema e gerando o crescimento excessivo de populações como a da capivara, o que também traz malefícios para o gado (transmissão de doenças) e a natureza em geral.
Tarefa concluída, sensação do dever cumprido. Temos que nos afastar lentamente para não assustar o bichano e voltar para Poro Jofre. Agora mais 4 horas rio abaixo e deveremos chegar no final da tarde ao hotel Porto Jofre.
Ambulantes
Vendedor ambulante não é uma característica só das grandes cidades, embarcações como esta são muito fáceis de serem encontradas durante todo o percurso pelo rio Cuiabá. São chalanas pesqueiras que rebocam pequenos barcos artesanais. Quando este misto de barco, casa e comércio ancora em algum lugar, pescadores munidos com suas linhas e anzóis, e somente isso, embarcam nas suas canoas escavadas no tronco das grandes árvores para pescarem peixes nobres do rio.
A compra de peixe fresco pode ser feita na própria chalana ou quando a embarcação encostar para vender o pescado a seus clientes fixos da margem do Cuiabá.